sábado, 6 de dezembro de 2008

INCLUSÃO = EXCLUSÃO

Inserir no mesmo espaço o diferente o inominável...
Negar, desativar, ordenar a diferença...
Canalizar e criar novos significados, novas formas de se manifestar...
Ludibriar aquilo que nos perturba, conduzir para o silêncio...
Unificar a pluralidade, fazer surgir uma única realidade...
Segregar o outro nas diversas formas de camuflar sua diferença...
Aniquilar o inominável trazendo-o para o lócus do governamento...
Omitir a cultura, a língua, a identidade e as formas de se fazer representar...

Ficam evidentes nesta transversalidade os atravessamentos produzidos pelas técnicas de controle e de vigilância postas em operação pela maquinaria escolar frente à discursividade inclusiva exposta na vitrine dos planejamentos e políticas educacionais.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

SENTIMENTOS...

Sentir frustração pelo incompreensível...
Encruzilhadas indecifráveis, inconvenientes...
Não saber como agir/ reagir / contra agir...
Testemunho e efetivação de relações de poder...
Incapacidade de articulação e/ou compreensão...
Memórias (...) ou seriam desmemorias...
Escapar da realidade, fugir do convencional...
Nada, vazio, brechas, lacunas, frestas...
Timidez, vergonha, indignação, fracassos...
Obscuro, nebuloso, incerteza...
Soluções... contradições...

Através dessas palavras destaco aquilo que me passou, aquilo que me tocou diante da proposta de colocar-se na posição do outro.

Abraços
Graciele Marjana Kraemer

sábado, 15 de novembro de 2008

ALGUMAS BREVES NOÇÕES...

Nas artimanhas da presente temporalidade existem possibilidades e interconexões que sinalizam outras formas de ver e narrar o espaço educacional. Estamos inseridos num contexto ambíguo, nefasto, maleável, transitório, líquido e de incertezas do porvir. É possível argumentar que a sociedade contemporânea solicita aos seus membros a permissividade de estar presente, de estar atento, ou ao lado de uma gama informacional imensurável. As transformações tecnológicas, os avanços científicos, as bio-descobertas, as comunidades virtuais, deslocam os sujeitos de um espaço concreto, para um espaço tangencial.
Neste cenário configuram-se proliferações culturais híbridas, as malhas sociais estabelecem formas de ser e de agir que se entrelaçam aos mais variados contextos e realidades. Nos encontramos como párticipes das eleições norte-americanas, questionamos a situação de miserabilidade africana, presenciamos incrédulos a deflagração da crise econômica mundial, acionamos a autodefesa sobre as guerras étnicas e religiosas que assolam populações inteiras, nos auto-definimos sujeitos democráticos instituindo programas de acessibilidade e propostas inclusivas porém, camuflamos nosso ceticismo perante essas diferentes realidades pela fragilidade de nossos argumentos inconsistentes.
Trazer para dentro das discussões educacionais estas questões, dentre outras, permite compreender que a escola se torna o espaço onde se deslocam as variantes epistemológicas que ditam aquilo que é favorável e aquilo que deve ser dispensado do cotidiano e dos planejamentos educacionais. Dentro desse ambiente, o currículo é o centro de proliferação e irradiação das propostas lançadas pela sociedade do controle, onde, o sujeito passa a ser vigiado em sua produtividade, em sua eficácia e docilidade. A investigação, a pesquisa, a problematização de posições hierárquicas, de estratégias herméticas e convenções historicamente estabelecidas no espaço educacional, requer emaranhar-se num complexo cenário, de certa forma, nebuloso, ou então, ambíguo.
Para efetivar algumas discussões dentro da proposta de uma pedagogia contemporânea que respeita as diferenças, é necessário estar disposto a questionar o que está nos bastidores dos acontecimentos sociais e das problematizações empreendidas na escola. Não basta um olhar atento, é necessário abrir-se ao novo, ao diferente, ao desconhecido, sendo isso, o âmago do rigor científico. Percebo que inúmeras vezes nos deixamos conduzir pelo senso comum, pela informação superficial e parcial, sem nos determos em maiores questionamentos e enfrentamentos, abdicando de prováveis constrangimentos. Isso está fortemente enraizado no currículo escolar, nas metodologias, nas estratégias de atuação e acaba fabricando sujeitos insossos, sem opinião própria, plagiadores de idéias e formas de se manifestar.
Diante da possibilidade de pesquisa, de enfrentamento, o autor, professor, pesquisador, busca artefatos, circunstancias que orientam e norteiam condições de suspeita, condições de instabilidade, condições de insatisfação. Entendo portanto, de forma breve, e quem sabe contundente, que dispor-se a pesquisar, solicita uma insatisfação do pesquisador referente àquilo que está posto, aquilo que se “diz ser bom”, aquilo que se quer almejar. Isso orienta também o trabalho em Educação Especial, a insatisfação, a incerteza do porvir, mas o desejo de trazer para a superfície o que está camuflado pelos discursos normativos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A CENA ESCOLAR ATRAVÉS DE PALAVRAS...




Graciele Marjana Kraemer
Educadora Especial

Para dar início às discussões em Educação, é necessário estar disposto a ver de novas formas, olhar com outros óculos, ver nas entrelinhas, imbricar-se em novos caminhos. Eis, portanto, a tarefa a qual me proponho: pôr em palavras, trazer pelas palavras, deixar vir através de palavras as possibilidades e interconexões vivenciadas em Educação. Palavras que criam, palavras que produzem estilos, formas e metodologias educacionais. As palavras fabricam os sujeitos dos quais falam. Palavras controversas, em formação, subjugadas, palavras poderosas e/ou em posição de poder. As palavras estão presentes em todos os espaços, nas entrelinhas das narrativas curriculares, nas nuances entre a cultura e a identidade, na eficácia dos enunciados performativos.
As palavras nos tornam reféns de sua produtividade, elas nos cercam em sua rede discursiva, as palavras nos capturam e interligam as diferentes faces por elas proporcionadas. São as palavras que organizam a identidade e a cultura dos sujeitos. As palavras reproduzem condições sociais, saberes e tecnologias de controle, elas nos colocam em posição de suspeita. As palavras constituem e demarcam posições, estabelecem formas de ser e de agir, traçam fronteiras entre o pensável e o impensável, entre o dizível e o indizível.
Somos constituídos pelas palavras, no entanto não são palavras aleatórias, efêmeras, fugazes e sem demarcação. As palavras que nos constituem enquanto sujeitos detentores de algum conhecimento, de alguma posição, emergem de produções arraigadas em temporalidades e espacialidades específicas, situadas no lócus discursivo da vigilância, do cuidado, do controle, da docilidade. As palavras surgem na relação dialógica.
Estamos inseridos numa espacialidade ambígua, truncada, inconstante, frágil, líquida e de comutação de informações. Esse período é analisado por um grupo de autores como a Pós-Modernidade. A ambigüidade que cerca os sujeitos e suas identidades é decorrente de tensões e conflitos experenciados pelos grupos culturais subjugados. Nas fendas da produtividade discursiva emanam as marcas, os traços, as representações sobre os indivíduos, ou seja, aqueles que se encontram nas amarras da normalidade, e os outros dispostos nas fronteiras da norma.
A segregação, a distinção, o tornar-se visível são mecanismos operacionais engendrados pela sociedade do controle. Esses mecanismos não operam mais a partir do modelo panóptico analisado por Foucault nas instituições prisionais, nos hospitais psiquiátricos. O modelo panóptico contemporâneo cria novas formas, ele está em rede, nas comunidades virtuais, nos fios que ligam aos microcomputadores à rede mundial de informação, nas narrativas presentes na programação televisiva dos seriados, das telenovelas, nos outdoors, nas roupas e produtos. As marcas de roupas, calçados, os cortes de cabelos, os apelos da mídia para a comercialização de diversos produtos legitimam manifestações culturais contemporâneas.
Assim, as noções de espaço, tempo, comunidade, identidade e cultura são re-significadas. Os acontecimentos de um determinado lugar podem estar ocorrendo simultaneamente em outros espaços, esse processo interfere na constituição de identidades híbridas, camufladas, visto que, somos formados, reformados e formamos os sujeitos aos quais falamos. A partir disso podemos entender que a vasta gama de artefatos tecnológicos ocupam um lugar pedagógico na cultura.
Entrelaçar a mídia ao campo da Educação, trazer para dentro das produções pedagógicas as narrativas, os discursos apresentados e disponibilizados pela mídia, permite entender que as fronteiras da pedagogia encontram-se borradas. Quando analisados a partir dos Estudos Culturais, esses artefatos trazem em seu interior uma pedagogia, um currículo cultural, eles corporificam identidades, culturas, representações; produzem significados.
Quando iniciei este ensaio deixei claro que seria necessário usar outros óculos, ver de outras formas, visto que, essa é a característica central e que norteia as pesquisas desenvolvidas a partir dos Estudos Culturais. Efetivar pesquisas e debates em Educação requer a disponibilidade de colocar sob suspeita as narrativas pedagógicas, os currículos e os discursos que atravessam as cenas escolares. Eis portanto, palavras...

REFERÊNCIAS:
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural do Collège de France. Trad. SAMPAIO, Laura Fraga de Alemida. 13 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

HALL, Stuart. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Porto Alegre: educação e Realidade, v. 22, n. 2, 1997.

HALL, Stuart. Quem Precisa de Identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da.
(Org.), HALL, Stuart. WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença – a prespectiva dos Estudos Culturais. 4 ed. Petrópolis: vozes, 2000.

LARROSA, Jorge., SKLIAR, Carlos. (Orgs.) Habitantes de Babel políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana Danças, piruetas e mascaradas. 4 ed. 1ªreimp. Belo Horizonte: Autentica, 2003.

SILVA, Tomaz Tadeu da. O Currículo como Fetiche – a poética e a política do texto curricular. 2 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2 ed., 9 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

SER PROFESSOR: UM RELATO...



Eis que comemoramos o dia do professor, uma data especial, um momento de reflexão, um instante de paradas para algumas indagações: qual o significado da ação docente na sociedade contemporânea? Como produzir a alegria de aprender num cenário frágil, ambíguo e inconstante em que nos encontramos? Qual o sentido da escola entremeio aos variados artefatos educativos presentes na sociedade da tecnologia?
Na breve caminhada que venho realizando em Educação busco articular esses questionamentos com a prática diária do ensino. No entanto, o que é ensinar? O que representa o ato de ensino para a vida dos sujeitos a ele submetido? No momento de nosso nascimento somos inseridos num cenário de conhecimentos, informações, linguagens, sendo que passamos a ser constituídos por este ambiente. Os discursos que nos cercam produzem condições de interação, de disposição no espaço e de compreensão das relações sociais.
A escola entra nesse jogo como ferramenta central, é o ato da docência que institui nos sujeitos formas de pensar, de questionar e participar das mudanças e evoluções sociais. Somos constantemente submetidos a um arsenal de informações e acontecimentos que interferem diretamente em nossas atitudes e participações dentro do espaço cultural. Assim, somos constituídos, reconstituídos e constituímos aqueles aos quais falamos. O ato pedagógico é entendido por alguns como um dom, por outros, uma habilidade, ou então, a ação de arriscar-se dentre tantas outras possibilidades.
No transcorrer da comemoração desta data vale ressaltar que o espaço educacional vem solicitando novas estruturações, outras articulações, diferentes pontos de vista, um olhar atento, estar informado e conectado, vivenciar a informatização e a tecnologização dos sujeitos. Ser professor nas condições atuais, requer estar atento às produções disponibilizadas pela mídia, trazer diferentes artefatos para dentro do espaço de sala de aula, ou quem sabe, sair deste espaço fechado para adentrar num cenário de bits, chats, muds, comunidades virtuais, marcas, produtos, logotipos.
Eis assim, novos espaços, outras ferramentas, basta estar disposto a encarar vivencias atreladas ao cotidiano de nosso público, para que a escola seja um lugar de atravessamentos tecnológicos, informativos e de pesquisas. Ser professor é abrir-se ao desconhecido.

Graciele Marjana Kraemer
Educadora Especial

UMA PARTE DE MIM...


Pois bem, é necessário começar a falar... são tantas coisas, tantas alegrias e também tantas incertezas, momentos inesquecíveis, momentos de não saber o que fazer ou o que escolher, momentos...Então, nada melhor que dar início à exposição de parte de minha vida, ou melhor, de parte de mim.
Poder partilhar um pouco de minha experiência referente à Educação de Surdos requer inicialmente deixar claro que, somente a partir de rupturas, descontruções e da abertura para a problematização acerca da diferença é que pude a passos incertos iniciar esta caminhada. Nasci numa cidade do interior do rio Grande do Sul, chamada Santo Cristo. Nesta cidade vivi até meus 14 anos, lá não tive nenhum contato com pessoas surdas, e sim, com pessoas com alguma deficiência mental, paralisias, e/ou pessoas que apresentam algum comprometimento mental. Assim, durante muito tempo de minha vida, entendia que as pessoas que apresentavam alguma característica física, de comunicação, de compreensão ou qualquer outra marca diferente, eram pessoas deficientes.
Perambulei durante alguns anos conhecendo cidades do Rio Grande do Sul e também do Paraná, isso decorreu principalmente em função das mudanças realizadas pela minha família e também pelos meus estudos. No entanto, em 2003 passei no curso de graduação em Educação Especial – Deficientes da Audiocomunicação em Santa Maria. Logo no início do semestre participei de projetos de pesquisa que problematizavam a relação família e criança com necessidades especiais. Também tive a alegria de ter como colega de curso um sujeito surdo.
Durante a graduação experenciamos muitas discussões, trocas, enfrentamentos, medos, dúvidas e vivências na Educação de Surdos. A cada semestre pude me identificar mais com a escolha que havia realizado inicialmente de forma aleatória. Fui timidamente mantendo contato com a comunidade surda de Santa Maria, realizando observações na escola de surdos e discutindo alguns pontos de vista com meu colega.
No segundo semestre de 2006 realizei meu estágio curricular na Escola Especial para Surdos Frei Pacífico, da cidade de Porto Alegre. Esse foi o começo de uma caminhada que venho trilhando como professora de surdos. Sinto-me em muitos momentos como que estando em frente a uma encruzilhada, ou então, num caminho obscuro, que é percorrido passo a passo no enfrentamento dos obstáculos impostos pela sociedade majoritariamente ouvinte. Entretanto, é no espaço da Educação de Surdos que pude vivenciar conhecimentos antes nunca sentidos, conviver e aprender com os surdos é para mim a essência das minhas ações neste momento.
Sinto-me realizada na minha escolha, gosto muito de trabalhar com crianças, pois elas não se cansam de questionar, bem como, não aceitam respostas efêmeras. São os sujeitos com os quais mantenho contato que me fazem colocar sob suspeita a minha prática e os discursos que cercam os surdos. As crianças surdas são pesquisadores sedentos de questões, que apresentam uma caminhada possível na conquista de uma sociedade que respeite a diferença.
Deixo claro, que minha experiência é, de certa forma, breve, mas ao mesmo tempo, uma experiência indescritível na minha construção de vida. Compartilho com os surdos o sonho de trocar experiências, o sonho de buscar uma educação efetiva, ampla e concreta e a felicidade de estar com eles no amanhecer de todos os dias...

Cultura, Identidade e Representação: a infância surda como uma trama cultural.

Ao iniciar esta breve discussão, é fundamental deixar claro que não existe a pretensão de falar sobre os surdos, pois preconizo aqui a necessidade de deixá-los falar por si mesmos. Partindo do contexto ouvinte, assumirei ao longo desta produção uma postura militante pela causa surda, ou seja, do respeito à sua diferença cultural, de identidade e língua.
O foco central da problematização travada brevemente, se detém na análise sobre a noção de cultura e identidade produzida pelos surdos na infância. Nessa posição, busco investigar vários aspectos relacionados à cultura surda: identidade, diferença, representação, estereótipos, discursos, currículo e a produção da infância surda. Nesta perspectiva, considero importante questionar: como ocorre a concepção de identidade cultural no contexto da infância? Como a criança surda constrói sua identidade participando ora de um ambiente ouvinte, ora de uma comunidade surda? Qual a sua noção de cultura e identidade surda?
Entendendo que a identidade somente passa a ter sentido num panorama discursivo de diferenças, ou seja, para que a identidade ouvinte se afirme, ela necessita da identidade surda, é possível notar que a identidade e a diferença são construídas na e pela representação.
O conceito de diferença não é utilizado como um termo a mais, dentro de uma comunidade discursiva, onde habitualmente se incluem outros como, por exemplo, “deficiência” ou “diversidade”. Estes, no geral, mascaram e neutralizam as possíveis conseqüências políticas, colocam os outros sob um olhar paternalista, e se revelam como estratégias conservadora para ocultar uma intenção de normalização. A diferença, como significação política é construída histórica e socialmente; é um processo e um produto de conflitos e movimentos sociais, de resistências às assimetrias de poder e de saber, de uma outra interpretação sobre a alteridade e sobre o significado dos outros no discurso dominante (SKLIAR, 2001, p. 06).
Quando nos reportamos à comunidade surda, o traço que a define culturalmente é a sua língua, ou seja, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Embora esta concepção pareça ser óbvia, muitos ainda não a desenvolveram. A cultura, quando abordada na perspectiva da pós-modernidade, aparece retratada como múltipla, multifacetada, visto que a compreensão de cultura muda e pode oscilar quando entendida dentro de novas tramas epistemológicas. Sendo assim, ela é vista pela diferença, cada espaço cultural se define pela sua história, suas especificidades, suas lutas e sua origem. A cultura é uma prática de significação e assim se torna um campo de luta em torno de uma produção de significados para o mundo social. Ela é uma relação social, uma relação de poder, uma prática que produz identidades, evidenciando que a cultura é um dispositivo de luta para a significação social.
O espaço escolar caracteriza-se por planejamentos, estruturações curriculares, estratégias de atuação e outras discursividades. Estas constituem os sujeitos que ali se fazem presentes. Ao longo do processo histórico, a educação de surdos esteve permeada por um viés clínico-terapêutico em que a centralidade do trabalho desenvolvido estava organizada nas estratégias de “normalização” desses sujeitos. Entremeio a essa produção discursiva, a constituição da identidade surda foi permanentemente representada pela incapacidade e pela falta de audição, especificamente, a deficiência. No entanto, vivenciamos uma temporalidade em que é possível interpretar e reinterpretar a participação desses sujeitos no espaço escolar.
Na articulação entre os Estudos Surdos e os Estudos Culturais em educação, torna-se possível compreender que as produções discursivas acerca dos sujeitos surdos, mesmo na educação de surdos, estão ainda fortemente arraigadas nas prerrogativas desenvolvidas pelos ouvintes. As representações culturais desencadeadas nas diversas relações sociais, ainda esbarram numa narrativa em que esses sujeitos são vistos como intelectualmente inferiores, sem uma língua própria – composta por gestos aleatórios – sujeitos sem cultura. Essa produção vem sendo reinterpretada pela estruturação curricular da escola de surdos em que as discursividades inerentes à cultura se tornam artefatos constituintes das identidades surdas.
O currículo, na educação de surdos, não pode ser interpretado como um elemento neutro de transmissão do conhecimento. Ao contrário, ele é um campo privilegiado de relações culturais. Sendo assim, os discursos que marcam a educação de surdos utilizam-se de elementos da cultura surda: a língua de sinais, as associações, a comunidade, a escola de surdos, mas produzem identidades ainda relacionadas aos pressupostos da cultura ouvinte, ou seja, atrelados às representações anteriormente referidas.
A contemporaneidade é compreendida como um espaço histórico em que as identidades são múltiplas. O sujeito dessa sociedade pós-moderna não estabelece uma identidade única, fixa e estável, ela é moldada a partir dos diferentes momentos e lugares em que ele se situa. Nesse sentido, a identidade deve ser compreendida dentro do campo cultural, a partir das produções dos discursos culturais. A identidade surda, nesse contexto, é o conjunto das características pelas quais os surdos se definem como grupo cultural, quais sejam, a língua, o currículo, a educação, a contextualização histórica das lutas, entre outros.
O sujeito ao nascer encontra-se inserido num contexto cultural, e sua identidade passa a ser compreendida como um artefato a ser constituído nesse meio. Tendo em vista que este trabalho focaliza a identidade surda e sua representação a partir dos Estudos Culturais, não é abordada a idéia de corpo danificado, mas de um sujeito cultural, com língua e identidade própria. Isso permite entender que a relação surdo-surdo é essencial para a constituição da identidade surda. Portanto, “as identidades surdas estão aí, não se diluem totalmente no encontro ou na vivência em meios sócio-culturais ouvintes” (PERLIN, 2001, p.54).
Considerando que as identidades surdas são identidades politicamente estabelecidas, o espaço da infância é propício para essa produção, na mesma medida em que se configura num momento importante para acentuação dos contatos com a comunidade surda. É numa produção social e cultural da infância e do sujeito surdo que as relações de poder se instituem, definindo as representações que estarão inscritas na educação para a diferença. No espaço da infância o sujeito introjeta as projeções sociais que se articulam em seu contexto de convivência, assim, a comunidade surda, bem como, o espaço da educação de surdos, são lócus para a constituição inicial de aspectos pertinentes à identidade surda. É pelo contato inicial, breve, mas rotineiro, que a criança consegue projetar nela a sua posição de sujeito pertencente à uma comunidade, à uma cultura.
A compreensão atual sobre a infância passou a ser historicamente constituída. Na proporção do contexto que envolve os séculos XVII e XVIII as crianças eram compreendidas como adultos em miniaturas, isso se torna visível pela arte, história e os retratos da sociologia. Contudo, numa desconstrução à proposta desenvolvida por Áries, a partir de 1970 e 80 ocorreu uma intensa crítica acerca da noção, por ele apresentada, de que a infância foi uma produção social da modernidade.
Assim, o sentimento de uma infância e de sua produção social, pode ter se tornado mais intenso no momento em que a escola, como instituição nova, passou a vigorar em seu sistema disciplinar. É compreendendo o espaço da infância como uma produção de sujeitos dóceis, que as relações de poder instituem as formas pelas quais essa produção será desencadeada. Isso na educação de surdos foi incisivamente instituído pelas produções ouvintes.
Tendo em vista que, a pretensão deste trabalho não é trazer respostas prontas, estratégias de atuação ou metodologias especificas, mas problematizações acerca dos discursos que envolvem a educação de surdos, torna-se pertinente frisar que é realmente possível uma educação para a diferença dentro do contexto da diferença, e que esta, por sua vez, pode ser compreendida como inominável a partir do momento em que se toma a identidade surda também como inominável por suas inúmeras particularidades e especificidades. Sendo assim, a infância é um território de significativas produções culturais, ela necessita ser problematizada como o espaço para a demarcação de práticas culturais específicas entremeio às produções curriculares que se concretizam nas afirmações da cultura surda.
É através das reticências, interpretadas como respostas líquidas (e não mais da estática dos pontos finais), que se pretende dar continuidade às futuras propostas de trabalho e planejamentos pedagógicos...

PERLIN, Gládis T. Identidades Surdas. In: SKLIAR, Carlos. (Org.) A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2001.
SKLIAR, Carlos. (Org.) A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2001.

EDUCAÇÃO: ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES NAS INTERFACES CONTEMPORÂNEAS.


Meu objetivo neste breve ensaio é trazer questões, dúvidas e experiências que considero serem imperativas para o debate do contexto educacional. Pensar a educação na contemporaneidade requer ultrapassar os limites estáticos de um currículo centrado em artefatos iluministas. A escola no cenário atual é permeada por uma multiplicidade de sujeitos e cenários, que instigam uma reversão de estratégias e metodologias educacionais.
No caso específico desta investigação, a educação de surdos, a multiplicidade de imagens contemporâneas são preconizadas intensamente no espaço escolar e instigam uma reversão de propostas e metodologias para abarcar as necessidades apresentadas pela comunidade escolar.No contexto das transformações sociais vivenciadas ao longo dos últimos anos, a escola passou a ser o espaço em que a multiplicidade de cenários e sujeitos trouxe a tona questões a serem debatidas, repensadas e problematizadas. Os sujeitos do cenário educacional trazem ao debate problematizações referentes à cultura, economia, esportes, relações sociais e políticas que ultrapassam a projeção de um currículo centrado em questões previamente estabelecidas. Um breve exemplo dessa situação é a fragilidade de travar um debate acerca da compreensão de família pautado no modelo de uma família nuclear, composta pela mãe, pai e filhos. Esta rede social conhecida como família, na presente temporalidade toma significados mais amplos e com tramas diferentes daquelas projetadas em outros momentos.
Para compreender de forma mais clara o que busco desenvolver aqui, trago outro exemplo: o acelerado avanço tecnológico propiciando uma gama imensa de informações e inovações a um vasto grupo social, transforma as relações, as compreensões e principalmente a cultura. Estamos a todo momento sendo bombardeados de notícias, fatos, invenções, descobertas, acontecimentos, desastres que influenciam e acabam interferindo na estruturação de nossas projeções e atividades. Estas questões não se encontram num espaço diferente ou exterior as experiências dos variados grupos sociais e culturais, todos acabam vivenciando ou sendo influenciados pelos acontecimentos mundiais em determinados momentos. Neste sentido, a educação, pautada no pilar de formação de sujeitos críticos necessita abrir espaços para abarcar toda essa abrangência de informações disponibilizadas nas redes de comunicação.
Minha intenção nestas breves colocações é deixar a possibilidade da reflexão, ou seja, como profissionais da educação, estamos preparados metodologicamente para inserir na grade curricular as intensas descobertas científicas? Existe uma metodologia que possa dar conta da imensa gama de experiências vivenciadas pelos sujeitos da educação? Como tornar as experiências individuais significativas no processo educacional? É possível um currículo para a multiplicidade na educação de surdos? Enfim dentre estas existem mais inúmeras questões que penso serem imperativas no debate educacional, deixando claro, que não existe a intenção de buscar uma metodologia perfeita, e sim uma aproximação, a busca de possibilidades, novos olhares, novos modos de pensar a educação de surdos no atual panorama sócio-cultural, desconstruindo o mito do ponto final, eliminando a noção de conclusão hermética, apresentando questões ao invés de “respostas”, numa constante busca problematizadora.